Cinco cosplayers falam sobre seu amor pelo anime, encontrar uma comunidade no cosplay e superar comentários racistas.
Todo negro fã de anime tem uma história de amadurecimento, um momento em que percebe que o estilo de animação é muito mais que só desenho animado. Meu momento foi quando eu tinha uns nove ou dez anos e não sabia bem se gostava de meninos ou meninas.
Na época, minha irmã mais velha era apaixonada por Little Bow Wow e B2K, sempre falando que eles eram muito “gatos”. Mas vendo esses bonecos Ken negros de trança corrida, eu sentia... nada. Na minha cabeça ingênua, eu achava que só podia gostar de um gênero ou outro. Se eu tinha que escolher, qual seria?
Esse mal-estar juvenil desmoronou no dia em que assisti o Trunks do futuro do Dragon Ball Z acabar com o Frieza e o King Cool. Naquele momento percebi que, um dia, eu ia querer um cara foda de anime – com um peitoral definido e cabelo brilhante, que por acaso também era descendente de uma poderosa raça ancestral. (Meu gosto continua praticamente o mesmo hoje.) Assim que descobri o Trunks, eu só queria mais.
Apesar de ter sido os garotos de anime que chamaram minha atenção, não foi só por isso que continuei assistindo os desenhos. Foi pelo samurai de olhar confiante e um passado sombrio de Rurouni Kenshin; a dedicação e lealdade que Naruto sempre sentiu por seus camaradas; os personagens multidimensionais de Avatar: A Lenda de Aang que espelhavam membros da minha própria família. Logo percebi que cada passo e estágio da minha vida tinha um anime para acompanhar.
Não sou a única pessoa negra que se sente assim. De Michael B. Jordan proclamando com orgulho seu amor pelo estilo de animação, artistas como Jaden Smith e Frank Ocean fazendo referências sutis a DBZ em sua música, até o vídeo de batalha de dança “Hood Naruto” que já tem quase 14 milhões de visualizações no YouTube. O amor dos negros pelo anime é profundo, e por isso reuni algumas das cosplayers negras mais fantásticas do Instagram para falar sobre por que elas curtem tanto anime.
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BlackKrystel
Anime sempre foi parte da minha vida. Meu amor pelos desenhos japoneses se desenvolveu bem cedo. Cresci assistindo Pokémon Indigo League, Code Lyoko, Yugioh e Sailor Moon. Eles constroem mundos muito críveis que me cativaram, passando uma mensagem sincera de amizade e confiar nos seus instintos. O que me atraiu no anime – comparando com o entretenimento ocidental – foi o fato dos personagens do gênero geralmente serem mais excêntricos, com personalidades vibrantes que geralmente são limitados aos personagens “token” na mídia ocidental. E esses personagens ecléticos não são apenas superficiais, mas ganham profundidade e estão sempre no centro da história. Além disso, no anime, raça e até gênero não definem os personagens; é mais fácil se ver em qualquer um deles.
Por mais que os animes sejam fantasia, as histórias que eles contam têm grandes mensagens e temas. Uma questão importante que acho que os animes abordam muito bem é saúde mental; animes como Rascal Does Not Dream of Bunny Girl Senpai, March Comes in Like a Lion, Tokyo Ghoul e até o filme A Voz do Silêncio são alguns dos títulos que mais me emocionaram. Como uma mulher negra, eu nunca me identificava com os personagens principais dos filmes ou até desenhos porque eles não tinham nada a ver comigo. Anime muitas vezes retrata mulheres fortes em posições de poder, combatendo crime e até salvando o mundo. Hayao Miyazaki me mostrou histórias criativas de amadurecimento como A Viagem de Chihiro e O Castelo Animado, com mulheres no centro. Não é surpresa que eu tenha gravitado para o anime tão nova. Aprendi tanto sobre a cultura japonesa assistindo anime que acabei estudando a língua, o que me deu a oportunidade de morar no Japão.
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Como para muitos outros, o Toonami era minha única fonte de anime quando eu era criança. O segmento me expôs a clássicos como Naruto, Innuyasha, Death Note e Fullmetal Alchemist Brotherhood que assisto até hoje. Quando finalmente descobri os segredos da internet, mergulhei de cabeça em toda série que encontrava. No colegial eu só assistia animes e jogava videogame... até descobrir as convenções. Quando fui para minha primeira convenção, a Megacon em Orlando, Flórida, eu não tinha ideia do que era cosplay, mas encontrei um monte de gente vestida como os personagens pelos quais eu era obcecada.
Cosplay logo se tornou uma fuga da realidade pra mim, e continua sendo. Eu estava finalmente me aventurando fora de casa e conhecendo outras pessoas. Bônus: todo mundo que eu conhecia gostava das mesmas coisas que eu. Me senti acolhida por uma família que nunca soube que tinha. Tanto anime como cosplay são parte de quem sou agora. Minha apreciação do anime e da cultura japonesa como um todo nunca vai mudar. Tenho orgulho de me chamar de weeb e encorajo todo mundo a explorar os animes. Se nunca assistiu nenhum, você está perdendo; se parou, é sempre uma boa hora pra voltar.
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MIMI
Minha primeira experiência com anime foi com Pokémon e Dragon Ball Z, que era o que passava sempre na TV. Logo depois de ver essas séries, quando eu ainda estava no ensino fundamental, assisti meu primeiro filme dos Estúdios Ghibli, Princesa Mononoke. Foi daí que meu interesse em anime cresceu para uma paixão de adulto. Comecei a me fantasiar como vários personagens quando era criança. Só fui saber que estava fazendo cosplay quando fiquei mais velha, e comecei a me fantasiar como meus super-heróis e personagens de anime favoritos.
Na primeira vez que fiz cosplay numa convenção, me vesti de Sailor Netuno da Sailor Moon. Eu estava nervosa em fazer cosplay em público porque estar numa convenção pode ser muito intimidador, e eu não sentia que minhas habilidades eram suficiente. Mas pela minha experiência, sei que minha raça definitivamente tem algo a ver com qualquer olhar ou palavras de julgamento. Fazer cosplay como uma mulher negra ainda atrai trolls, racistas e comentários negativos nas redes sociais; eles esperam que a gente só faça cosplay dentro da nossa raça e nunca de personagens que não sejam negros.
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Me interessei pela cultura japonesa porque meu estilo sempre foi muito kawaii e me identifico com vários personagens de anime, minha favorita sendo a personagem principal de Sailor Moon, Usagi. Cosplay também ajudou a me sentir mais confiante e lidar melhor com a ansiedade. Pra mim, cosplay é mais que um hobby porque me ajudou a definir quem sou hoje – quero ser cosplayer profissional. Sinto que raça é irrelevante para o cosplay, e que todo mundo pode ser quem quiser.
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Shellanin
Sou apaixonada por anime desde o ensino médio. Toonami da Cartoon Network foi minha porta de entrada para o mundo do anime. Depois do Toonami, eu passava a maior parte do tempo pensando em correr com o Naruto, e juntar minhas mãos para fazer alquimia como Edward Elric do Fullmetal Alchemist. Sempre me vi nesses personagens. Eu sonhava com Sailor Scouts negras em Sailor Moon e Saiyans do Dragon Ball Z com cabelo afro como o meu. Esse amor por anime me deixava esperando ansiosa o Halloween – que era minha única chance no ano de me vestir como meu personagem de anime favorito.
No colégio, encontrei outras pessoas com os mesmos interesses. A gente andava pelos corredores com a bandana da Vila da Folha do Naruto, e no almoço a gente ficava na biblioteca lendo mangas. Através desses amigos, descobri as convenções e o cosplay. E pensei tipo “Uau, cosplayers – eles não precisam esperar pelo Halloween pra se vestirem como seus personagens favoritos”. Eu sabia que tinha que tentar também.
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Mesmo gostando muito de anime, negros e pessoas com tons de pele mais escuros são pouco representados nesses eventos. Então pensei que quando fizesse cosplay, eu tinha que realizar meus sonhos de infância. Aí repensei personagens como o Vegeta e a Bulma do Dragon Ball Z para parecerem comigo. Quero que o mundo reimagine como esses personagens seriam se fossem como eu, uma mulher negra. No futuro, quero fazer cosplay de pesonagens como a Misty do Pokémon e Deky do My Hero Academia. Uso minha hashtag #CurlyCosplay para espalhar o amor pelo cabelo cacheado negro dentro do cosplay. Com o #CurlyCosplay, posso ser quem eu quiser e ser eu ao mesmo tempo, o que adoro. Meu amor pelo anime sempre vai aparecer nos meus trabalhos de cosplay
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Snitchery
Anime é parte da minha vida há uma década. Quando eu tinha uns dez anos, lembro de ficar olhando por cima do ombro do meu irmão na noite de Natal enquanto a gente jogava Pokémon Emerald num Gameboy Advance compartilhado. Quando descobri que tinha uma série de televisão na escola algumas semanas depois, fiquei viciada.
Crescendo como uma pessoa birracial – minha mãe é branca e meu pai é negro – numa comunidade principalmente branca, meu crush no Tamaki Suoh do Ouran High School Host Club e minha propensão a ficar desenhando manga no canto da minha lição de casa só me tornavam um pouco mais diferente dos meus colegas de escola. Sempre me orgulhei de me vestir de um jeito excêntrico. Minha professora de história me perguntou uma vez: “O que as pessoas como você vestem no Halloween?” Então amarrar meu cabelo com maria-chiquinha como a Sailor Moon, usar meias até os joelhos inspiradas na Misa Amane [do Death Note] e uma camiseta do Aeropostale na sétima série provavelmente não era tendência, mas minha eu de 12 anos adorava essas coisas.
Só quando fiz um Instagram de maquiagem em 2014 comecei a levar essa inspiração para o próximo nível, postando editoriais de maquiagem copiando personagens conhecidos de anime e brincando com a ideia de fazer um cosplay completo. Hoje tento postar conteúdo que fica no meio disso; 99% das minhas fotos são selfies de rosto em cabelo em vez de do corpo todo, assim a peruca, a maquiagem e o pouco da fantasia que você vê na imagem final são muito verdadeiros no cânone ou uma abordagem nova para um personagem de animação. E quando uso um top sem mangas, dá pra ver um pouco das minhas tatuagens do Killua [de Hunter X Hunter] e Cubone [do Pokémon].
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No geral, a resposta online para os meus cosplays tem sido incrível, e os comentários dos haters são rapidamente engolidos por um mar de amor e apoio, então dificilmente acabo lendo. Dito isso, aqueles que leio geralmente são raciais – como, mesmo tendo um tom de pele mais claro, ainda sou muito negra para fazer cosplay da Kaneki [Tokyo Goul], como meus lábios são muito grossos para retratar a Misty [do Pokémon] do “jeito certo”, como a Raven [Teen Titans] é meu “melhor” cosplay porque usei uma base grossa cinza. Já vi comentários bem piores para cosplayers inconfundivelmente negras como a @kieraplease e a @mimithenerd, que são as melhores do jogo. Tem essa ideia muito escrota de uma parte da comunidade de cosplay de que mulheres negras só podem fazer cosplay de personagens negros (o que é risível considerando o meio), e aquele estigma geral de que negros não podem ser nerds. Pra mim, é muito libertador fazer exatamente o contrário, especialmente quando tenho a oportunidade de me juntar a outras mulheres negras para fazer colaborações incríveis de cosplay. Dez anos depois, o anime – e por extensão, o cosplay – é ridiculamente central para a minha identidade, e eu não trocaria meu status de garota negra geeky por nada no mundo.
Kiera
Descobri o mundo do anime através do meu amigo Teven. Ele era obcecado, e eu não entendia por quê. Lembro um dia em que ele estava falando sobre um anime chamado Future Diary; fiquei intrigada quando ele explicou todas as coisas loucas que aconteciam na série. Alguns dias depois, decidi assistir e me apaixonei na hora. Assisti a série quase inteira naquela noite. Naquela semana, fiquei maratonando Future Diary e enchendo o saco do meu amigo pra me dar dicas de outras séries antes que a que eu já estava assistindo acabasse.
Com o cosplay a história foi parecida. Sempre diziam que eu parecia a Garnet do Steven Universe, e que eu devia me fantasiar dela. Gosto muito dessa série, então num Halloween decidi tentar. Nunca levei o Halloween muito a sério antes, mas dessa vez caiu a ficha. Depois disso, fiquei obcecada – planejando meu próximo personagem apesar do Halloween já ter passado. Dentro disso, descobriu um mundo e um hobby que eu nem sabia que ia gostar até experimentar.
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Sempre gostei de me expressar de novas maneiras, e essas maneiras acabam se tornando uma extensão de mim. Se identificar com personagens com histórias loucas ou habilidades mágicas me fez ver a vida de um jeito muito mais divertido e cheio de esperança!
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Matéria originalmente publicada na VICE US.
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